Tem-me sido difícil escrever. Já não pelos afazeres, mas pela falta de disponibilidade interior. Natal não é forçosamente uma época de grande extroversão. Seria, no entanto, lamentável deixar de falar de alguns concertos a que tenho assistido, na tal rota contra a corrente de confusões.
Poucos dias antes de tocar no concerto da cerimónia de entrega do 'Nobel da Paz' em Oslo, Herbie Hancock esteve em Portugal para apresentar o seu último projecto "The Imagine Project". Uma homenagem a um dos maiores compositores que passeou o mundo, o lendário John Lennon. O objectivo era o de "passar uma mensagem de paz através da música". O mote foi dado pelo hino de paz Imagine de Lennon.
"É uma proposta de paz global." Herbie Hancock
O multipremiado pianista e compositor que fez 70 anos (ninguém diria ao vê-lo em palco) em Abril, veio à Casa da Música, no passado dia 8. Tive o privilégio de estar presente, nessa noite simbólica! Assinalavam-se 30 anos da morte de John Lennon, o músico que o inspirou neste recente projecto musical.
Antigo membro do grupo de Miles DavisHancock é tido como um dos talentosos pioneiros na integração do funk, soul, hip-hop e sintetizadores (música electrónica) no jazz.
O pianista veio acompanhado por um grupo de excelentes músicos:James Genus (baixo), Trevor Laurence Jr (bateria), Greg Phillinganes (teclas), Lionel Loueke (guitarra), e Kristina Train (voz e violino).
Partindo de John Lennon como principal referência, os músicos em palco procuraram através da música, propagar os princípios de paz global, salientando que é fundamental a união do mundo, algo que depois da abertura do concerto, o próprio Hancock destacou, num dos momentos em que se dirigiu ao público. Claro que todos fizemos questão de demonstrar o apreço por esse seu esforço. A música é ainda um meio que pode unir o mundo.
Este trabalho reúne artistas das mais diversas zonas do globo e de distintos estilos musicais, num projecto que visa a cooperação e a paz. É óbvio que não puderam estar presentes no palco da Casa da Música.
Ao longo do concerto, intenso, brilhante, foram interpretados e reinventados temas célebres, como 'Imagine', 'Don't give up', 'Times are a changing' e outros.
Não, não vou dizer que a interpretação de Kristina Train no tema 'Don't give up' de Kate Bush (inolvidável e precursora) e Peter Gabriel me convenceu. Kate Bush Bush é uma das maiores referências musicais do séc. XX. Impossível reinventá-la! Ela fez tudo o que era possível fazer quanto a criatividade! Uma imensa admiração eu tenho!
E 'Imagine'! Todos conhecem a minha devoção por Lennon e por 'Imagine'! É uma das minhas composições favoritas!
Não quero com isto dizer que estes dois temas devam ser intocáveis, mas neste registo apresentado na Casa da Música, não! Já não digo o mesmo das abordagens no projecto original.
No entanto, os momentos musicais de improviso multiplicaram-se, e a extraordinária qualidade dos músicos que acompanharam Herbie ao longo do concerto foi por demais evidente.
Excelentes! Neles incluo Kristina Train, cantora e violinista convidada nesta digressão, mas o músico que claramente se destacou, foi Greg Phillinganes (teclas)! Além de bom músico, demonstrou formar uma dupla especial com Hancock, quase a sua extensão, pela forma como assumiu a liderança em palco e como criou empatia com a plateia. Ah! E o melhor estava para vir! Philinganes reservava um outro talento... Phillinganes sabe cantar e cantou lindamente!
À medida que foi decorrendo, o concerto foi ganhando intensidade, e o público mais solto, entregou-se por inteiro às sonoridades de Herbie e do seus músicos. Sim porque não se ouviu só jazz! O estilo electrónico, a pop, músicas do mundo fizeram-se ouvir com exuberância. The Imagine Project é um trabalho colaborativo e multi-cultural. Músicos de onze nacionalidades!
Mas a tecnologia faz milagres! E os malianos Tinariwen juntaram suas vozes aos músicos em palco.
Herbie Hancock conseguiu recriar na Casa da Música um ambiente repleto de multifacetadas sonoridades a que todos os presentes na sala Suggia tiveram o imenso prazer de assistir e de aplaudir, de pé, quase no final, após duas horas e muito, de completa fusão e genialidade musical.
No final, os músicos saudaram o público com um encore! E depois deste, eis que arrancaram com Rockit, um dos seus grandes clássicos, mais ligado ao hip-hop e electrónica. Melhor som para breakdance, não há! Aí, toda a sala de pé (camarote e coro inclusivé) completamente electrizada, viu Herbie Hancock e os seus músicos a dançar!E acompanhou-os! Momentos intensos e coloridos que só se fruem num concerto ao vivo.
"Os músicos são pessoas e vivemos no mundo, devemos e estar atentos ao que se passa à nossa volta, não fingir que não vemos".
Herbie Hancock
Herbie Hancock entregou-se a um dos mais ambiciosos desafios da sua longa carreira. The Imagine Project reúne artistas dos mais diversos quadrantes, preserva a identidade musical de todos os participantes e foi gravado em 7 países.
O que uniu a Herbie os Tinarwen, a brasileira Céu, os irlandeses The Chieftains, Dave Mathews, Anouska Shankar, Seal, a irreverente Pink, Juanes, a inimitável Chaka Khan e o jovem James Morrison? Um esforço comum pela paz, tolerância e respeito pelo planeta.
O álbum valeu-lhe a distinção de ser o segundo músico de jazz a vencer o 'Grammy' para Álbum do Ano. O primeiro foi Stan Getz (1965) quando se juntou a João Gilberto no LP 'Getz/Gilberto' (1964).
Bem, depois de algumas hesitações, entre dois temas, decido-me por 'Don't give up', reinventado por Pink e John Legends. Fabulosos!
"The Imagine Project is a 21st century Love-In, complete with psychedelia (Dave Matthews singing The Beatles's Tomorrow Never Knows and some groovy, good-time peace and love - singer Susan Tedeschiand slide guitarist Derek Trucks, stretching out on "Space Captain," made famous by Joe Cocker. Peter Gabriel's gentle "Don't Give Up" retains its writer's world interests in a duet partnering pop megastar Pink and R&B singer John Legend, but with some tasty contributions from guitarist Jeff Beck."