sexta-feira, 27 de março de 2015

Falemos das Artes




LA CENERENTOLA, ossia la bontà in trionfo
A CINDERELA, ou o triunfo da bondade
de Gioachino Rossini (1792-1868)
"O teatro é um meio muito eficaz de educar o público; mas quem faz teatro educativo encontra-se sempre sem público para poder educar."

E. Jardiel Poncela, escritor espanhol

Hoje, dia 27 Março, celebrou-se o Dia Mundial do Teatro.  A data foi criada em 1961 pelo International Theatre Institute ITI, Unesco.
Todos os anos, é convidada uma figura mundialmente conhecida, ligada ao teatro, para partilhar suas reflexões sobre o tema "Teatro e Cultura de Paz". 
A primeira mensagem do Dia Mundial do Teatro foi escrita por Jean Cocteau em 1962.



 Krzysztof Warlikowski, Polish Director
credits: © Bartek Warzecha
Este ano, o convidado foi o director polaco Krzysztof Warlikowski, um dos mais importantes encenadores europeus. Gostei da sua mensagem, dos grandes escritores 'profetas', do mundo que vivemos, do teatro.



"Sou muitas vezes levado pela prosa para refletir. Penso frequentemente nos escritores que há quase um século descreveram profeticamente, mas também com parcimónia, o declínio dos deuses europeus, o crepúsculo que mergulhou a nossa civilização numa escuridão de que ainda não recuperou. Estou a pensar em Franz Kafka, Thomas Mann e Marcel Proust. Presentemente também incluiria Maxwell Coetzee nesse grupo de profetas.
(...)
“A lenda procura explicar aquilo que não pode ser explicado. Está ancorada na verdade, e deve acabar no inexplicável” - é assim que Kafka descreveu a transformação da lenda de Prometeu. Acredito profundamente que estas mesmas palavras deviam descrever o teatro. E é este tipo de teatro, aquele que está ancorado na verdade e encontra o seu fim no inexplicável, que eu desejo a todos os que nele trabalham, os que se encontram no palco e os que constituem o público, e isto eu desejo de todo o meu coração.
Krzysztof Warlikowski, excerto da mensagem Dia Mundial Teatro 2015
Poderão ler na íntegra aqui

Tomas Tranströmer 1931-2015
Mas hoje também, dia 27 Março, morreu o grande poeta Tomas Tranströmer, Prémio Nobel da Literatura 2011
A morte de Tomas Tranströmer foi anunciada por membros da Academia Sueca e o site Nobel Prize faz-lhe uma bela homenagem.
Tomas Tranströmer, 83 anos, sueco, poeta, psicanalista, tradutor. Publicou os primeiros poemas aos 23 anos, com o título “17 Poemas”. 
Inspirou-se em surrealistas como René Char, e na poesia japonesa, a arte do haiku.





Tinha um "discurso original, onde se destacava um dom para o uso de metáforas e uma limpidez e concisão linguística" que o tornou no mais traduzido dos escritores suecos.
Tomas Tranströmer é um dos poetas mais importantes da literatura sueca e está traduzido em mais de cinquenta línguas.


Tomas Tranströmer
Um dos hobbies do poeta sueco era tocar piano. Tomas Tranströmer sofreu, em 1990, um acidente vascular, que afectou a sua capacidade de falar e escrever.


Relógio d'Água, 2012
http://www.fnac.pt/


Sextante Editora, 2012
http://www.sextanteeditora.pt/


Em Portugal, o poeta tem publicadas as obras 50 Poemas numa tradução de Alexandre Pastor, editora Relógio d`Água, "As minhas lembranças observam-me”, seguido de “Primeiros Poemas", com um posfácio de Pedro Mexia, numa edição Sextante. 





A melhor maneira de celebrar um poeta é lendo os seus poemas. Seleccionei dois poemas. O primeiro apenas por que fala da captital portuguesa, e tem tradução de um dos nossos grandes poetas, Vasco Graça Moura:

Lisboa


No bairro de Alfama os eléctricos amarelos cantavam nas calçadas íngremes.
Havia lá duas cadeias. Uma era para ladrões.
Acenavam através das grades.
Gritavam que lhes tirassem o retrato.
“Mas aqui!”, disse o condutor e riu à sucapa como se cortado ao meio,
“aqui estão políticos”. Vi a fachada, a fachada, a fachada
e lá no cimo um homem à janela,
tinha um óculo e olhava para o mar.
Roupa branca no azul. Os muros quentes.
As moscas liam cartas microscópicas.
Seis anos mais tarde perguntei a uma senhora de Lisboa:
“será verdade ou só um sonho meu?”


Tomas Tranströmer, tradução Vasco Graça Moura
O segundo prende-se com a minha própria sensibilidade. E embora esteja também traduzido por Vasco Graça Moura, me perdoem, mas vou deixar a versão em língua inglesa, já que sueco não domino. 
Allegro
 I play Haydn after a black day
and feel a simple warmth in my hands.
The keys are willing. Soft hammers strike.
The resonance green, lively and calm.
The music says freedom exists
and someone doesn't pay the emperor tax.
I push down my hands in my Haydnpockets
and imitate a person looking on the world calmly.
I hoist the Haydnflag - it signifies:
"We don't give in. But want peace.'

The music is a glass-house on the slope
where the stones fly, the stones roll.
And the stones roll right through
but each pane stays whole.


Tomas Tranströmer, New Collected Poems, translated by Robin Fulton 
(Bloodaxe Books, 1997/2011)


"É o maior ou um dos maiores poetas do mundo"

Casimiro de Brito, poeta 

G-S

Fragmentos Culturais
27.03.2015
Copyright © 2015-Fragmentos Culturais Blog, fragmentosculturais.blogspot.com®

quarta-feira, 25 de março de 2015

Herberto Helder, ausência do silêncio




créditos: José Oliveira, Junho 2014

"Não é preciso dizer nada. Sequer o nome dele. A ventania, toda a noite e dia, disse tudo. Se é verdade que o vento leva as palavras, as palavras dele não eram palavras: eram o vento. E o vento vem sempre ter connosco. Volta."

Miguel Esteves Cardoso, in Público


Morreu Herberto Helder. Parafraseando Esteves Cardoso, não é preciso dizer muito. 

RTP2 difundiu ontem à noite um documentário sobre Heberto Helder em jeito de homenagem. Testemunhos de muitos dos estudiosos da sua obra, professores, poetas, escritores. E o poeta? Oculto.

Ficam os livros - versos, prosa - que se perpetuam na leitura. Perdemos o corpo, o olhar de coisas intangíveis, isolado dos excessos do mundo tangível. Mas não a sua grandiosa forma de escrever o cosmos.



Respeito o recato do poeta. E pouco escrevo.

Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos
detidos: hei-de partir quando as flores chegarem
à sua imagem. Este verão concentrado
em cada espelho. O próprio
movimento o entenebrece. Mas chamejam os lábios
dos animais. Deixarei as constelações panorâmicas destes dias~
internos.


Vou morrer assim, arfando
entre o mar fotográfico
e côncavo
e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas
o sangue que se agrava.

Está cheio de candeias, o verão de onde se parte,
ígneo nessa criança
contemplada. Eu abandono estes jardins
ferozes, o génio
que soprou nos estúdios cavados. É a cólera que me leva
aos precipícios de agosto, e a mansidão
traz-me às janelas. São únicas as colinas como o ar
palpitante fechado num espelho. É a estação dos planetas.
Cada dia é um abismo atómico.
(...)

Herberto Helder, Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos (excerto)
in Cobra, Poesia Toda, Assírio & Alvim

G-S

Fragmentos Culturais
25.03.2015
Copyright © 2015-Fragmentos Culturais Blog, fragmentosculturais.blogspot.com®