domingo, 6 de agosto de 2006

Hard Candy - o filme






Hard Candy, 2005


Nem sempre há filmes interessantes, em sala de cinema.

Adoro cinema! E lamento que as salas de circuito comercial não reservem um lugar maior para o cinema alternativo. Sei que não esgotará bilheteiras, mas certamente terá um público atento e apreciador.

Não vou ver qualquer filme, e nem todas as salas me agradam. Aspectos como o sistema de som e dimensão de ecrã têm importância. Não penso que uma ida ao cinema seja igual a uma sessão de DVD.

E o filme é fundamental! As minhas escolhas obedecem a aspectos que passam por um bom realizador, excelentes actores, um argumento original e, claro está, uma banda sonora imprescindivelmente de boa qualidade.

Hard Candy era o filme a ver, nessa semana. Estivera presente em dois festivais de cinema não comercial. E fora premiado no Festival de Cinema da Cataluña: Melhor Filme e Melhor Argumento.

O dia mostrara-se pouco convidativo para uma escapadela até à praia. Decidi-me então por uma sessão de final de tarde, pouco movimentada, sem grandes baldes de pipocas (abomino!) nem sorvedelas de coca-cola (outra praga!).




Hard Candy, 2005


O título original mantivera-se, coisa rara, e o tema prometia uma história complexa. 

O argumento centrava-se em duas personagens, tendo como cenário um ambiente minimalista.

Um homem de trinta anos, fotógrafo de profissão, e uma jovem adolescente de catorze anos marcam encontro via Internet, depois de longas horas em salas de chat. A jovem demonstrara uma maturidade muito além da sua idade. Ao longo da trama vem a exibir um comportamento fortemente penalizador, levado a uma frieza extrema no desenvolvimento de um encontro que parecia inofensivo.

Hard Candy, dois conceitos opostos que levarão à descoberta de amarga surpresa para a personagem masculina.

Esperava um thriller bem conceptualizado, com um argumento focalizado na realidade dos encontros virtuais, com desencantos talvez, mas sem agressividade.

Enganara-me redondamente! Deparei-me com um filme perturbador, correcto, e de grande intensidade psicológica. A câmara, em grandes e fechados planos, close-up, não nos permitia a fuga. Obrigava-nos a tomar partido, chamando-nos a depor, testemunhas mudas, o que deixou os espectadores presentes, desconfortáveis. Algumas pessoas abandonaram a sala. Eu cheguei a hesitar.

É um bom filme, sem sombra de dúvida! Mas de trama psicológica arrepiante!




Ellen Page
Hard Candy, 2005

Interpretação incrível de Ellen Pageuma jovem actriz de 14 anos (quem diria?!), diálogos sibilados, planos longos e cheios, violência fria, premeditada, nas palavras e nos actos, que em crescendo vão quase torturando o olhar e os sentidos dos espectadores.

Aprecio filmes com argumento forte, histórias bem narradas. Fragmentos da vida real sim, mas em tons de testemunho vivencial, mesmo que efabulado, mais sereno, e sobretudo, menos viciado e maquiavélico.

Este filme ultrapassou os meus limites para aquele final de tarde.

O problema social e ético subjacentes são assuntos que a todos nós, regidos por valores existenciais, preocupam. E merece uma profunda reflexão da sociedade.

Mas pôr o ênfase justiceiro numa jovem que não possui ponta de ingenuidade, chocou-me! Será esse o impacto que realizador e argumentista quiseram transmitir? 

Por trás do ar cândido e infantil da intérprete, sublimemente trabalhado pela câmara, uma cabeça feita de arrojo, vontade fria, inabalável, de levar seus actos ao extremo, inexoravelmente.

Ver alguém tão jovem possuir uma arte de sedução tão burilada, capaz de baralhar um ser adulto, experimentado, fez-me questionar tantos conceitos!

Que juventude se estará a desenvolver, ao crescer em ambientes opacos, flou, de salas de chat, Hi5, Myspace e outras redes virtuais?

Que mentes estragadas - e veio-me à ideia o caso dos dois adolescentes do Liceu Columbine - estarão a ser forjadas pelas novas sociedades ditas 'civilizadas', sem o acompanhamento familiar adequado e ajustado aos novos desafios de uma outra sociedade?

E que jovens irão ver o filme? A maior parte estará na faixa etária, por vezes inferior, à da personagem feminina descrita. Como se envolverão?

Preparem-se! Não é facilmente digerido. Aproveitem um dia de bem-estar. Porque vão sair bem intranquilos.

Ou então, vejam-no como uma ficção surreal. Mas, não se enganem! É que a ficção está demasiadamente próxima da realidade.

Eu não consegui sair airosa e ligeira. E, como eu, ninguém que permaneceu naquela sala até ao final, para não falar nos espectadores que a abandonaram.

Recomendo-o, mas a um público maturo. Deixa-nos bem pensativos.


(escrito e publicado em 7.07.2006, sob pseudónimo)

G-S



(escrito e publicado em 7.07.2006, sob pseudónimo)

Fragmentos Culturais

06.08.2006
(revisto)

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