O melodioso sistema do Universo, O grande festival pagão de haver o sol e a lua E a titânica dança das estações E o ritmo plácido das eclípticas Mandando tudo estar calado. E atender apenas ao brilho exterior do Universo.
Álvaro de Campos, O Melodioso Sistema do Universo 27.11.1914
Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão amigo
És meu irmão
E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão
Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher
Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e combóios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão
E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão
Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher
Ary dos Santos, Quando um homem quiser
Para todos os que compartilham afectos em Fragmentos, ao longo do ano, meus votos mais sincero de Sereno Natal.
Desta vez, fui mesmo das últimas pessoas a abandonar a sala, depois de o filme terminar e o genérico correr. Contemplativa, tocada, tentava absorver todos os pormenores de um filme que posso considerar como o mais impressionante que vi ao longo deste ano. Como eu, um casal permanecia sentado, olhando fixamente a tela que rolava ao som da banda sonora de inefável beleza de Dario Marianelli.
O impacto da veracidade dos acontecimentos, a trágica destruição da Biblioteca de Alexandria, um 'oráculo' para os apaixonados pelos livros, como eu, a morte quase piedosa de Hypatia que Amenábar põe nas mãos de Davus, seu antigo escravo e discípulo, a música de profundo sentimento lírico, tudo isto nos deixa em silêncio meditativo por mais alguns momentos.
Hypatia é a figura principal deste épico de Alejandro Amenábar. A partir da Biblioteca de Alexandra, Hypatia leva a cabo uma luta para salvar os livros do mundo antigo, ameaçada por perseguições religiosas.
"4th century A.D. Egypt under the Roman Empire... Violent religious upheaval in the streets of Alexandria spills over into the city's famous Library. Trapped inside its walls, the brilliant astronomer Hypatia and her disciples fight to savw the wisdom of the Ancient World..."
Hypatia, filósofa, astrónoma, e matemática é uma mulher que me atraiu desde sempre, pela força de carácter, pela coragem de defender as suas ideias, pelo pensamento livre, interrogando-se sobre o porquê das coisas, pela busca da verdade, uma mulher de saberes e grande beleza, atributos impensáveis em época alguma.
Professora, suponho que a primeira no feminino, no Museu de Alexandria, Egipto, o centro intelectual e cultural grego que albergava várias escolas independentes e a célebre Biblioteca de Alexandria.
Movimentava-se livremente, conduzindo o seu próprio chariot, contrário às normas do comportamento público das mulheres. Teve uma considerável influência política na cidade.
Deu origem à escola neoplatónica e nela recebeu discípulos de várias religiões. Foi cruelmente assassinada da maneira mais ignóbil que há memória.
Lembro que escrevi sobre Hypatia, em Janeiro de 2008, no post Mulheres que Lêem são Perigosas, o livro, a propósito de um livro de Laure Adler & Stefan Bollmann, "Les Femmes qui lisent sont Dangereuses", Flamarion, 2006.
Hypatia que nos prende pelo modo como tenta entender incansavelmente o mundo que a rodeia, as pessoas que se aproximam, a sua dedicação total ao conhecimento. A humildade de reconhecer as suas limitações, e acima de tudo, a flexibilidade de reavaliar os seus pressupostos e de desafiar o que previamente dera como verdadeiro, numa incansável busca intelectual e científica.
As cenas da observação do firmamento são de inatingível beleza, na percepção dos astros, ao som do tema musical The skies do not fall!
"From the writing point of view, once we started researching, we realized that this particular time and world had a lot of connections with our contemporary reality. We realized that in making a movie about the past, we were actually making a movie about the present."
Raquel Weisz, soberba na sua interpretação, simboliza de forma cristalina, a razão, a tolerância, e inevitavelmente o seu martírio, bem secundada por Max Minghella, arrebatador, apaixonado, filho do célebre realizador Anthony Minghella. Cenários de incrível veracidade histórica, uma biblioteca e manuscritos que dói a alma supor como foram destruídos, numa mística de rara beleza pelos saberes e culturas.
O teu fim que não tem fim é como um floco de neve a dissolver-se no ar puro.
Fernando Pessoa* No dia 1 de Dezembro de 1934, a editora Parceria António Maria Pereira, de Lisboa, publicava o volume de poemas Mensagem. O autor, Fernando Pessoa, tinha então 46 anos. Morreria quase exactamente um ano depois, a 30 de Novembro de 1935
"Em parte devido a essa confiscação patriótica do poema, muitos dos que admiravam Pessoa como um mago que alterara a nossa paisagem lírica e a nossa visão do mundo prestaram pouca atenção"
Eduardo Lourenço
O ensaísta assim afirmou na sessão que decorreu no anfiteatro daBiblioteca Nacional, em Lisboa, para comemorar o 75º aniversário da publicação da primeira edição de Mensagem de Fernando Pessoa, o único livro de poemas em português que o autor publicou em vida.
Esta sessão teve como participantes, Eduardo Lourenço, um dos mais prestigiados ensaístas, reconhecido além fronteiras, Vasco Graça Moura, um dos consagrados classicistas, e Manuel Alegre.
Vasco Graça Moura criticou o poema épico de Pessoa, considerando-o "totalmente insensível" à "afectividade", ao "lado lírico", bem como ao "papel da mulher", presente em todas as grandes epopeias, desde a Odisseia.
«O grande pecado da 'Mensagem' é a ausência de Camões. Pessoa sempre teve uma questão, talvez uma questão com ele próprio», afirmou, por sua vez, Manuel Alegre.
A propósito desta sessão, gostei de ler o comentário publicado emUm Fernando Pessoa (desactivado). Para quem não pode estar presente, era uma excelente visão de alguém que sendo admirador de Pessoa, consegue filtrar as posições extremadas.
Foi lançada ainda uma edição 'clonada' do dactiloscrito de Pessoa, que o autor entregou nas oficinas tipográficas da Editorial Império, onde o livro foi impresso.
O editor Paulo Teixeira Pinto, da Guimarães Editora, frisa ser mais do que um fac-simile.
«Pessoa dizia "não há factos, só interpretação de factos". Nós não queremos interpretar nada, queremos só deixar este facto.»
Paulo Teixeira Pinto, Guimarães Editores
A obra estará em venda exclusiva na Fnac, mas uma versão abreviada em formato digital poderia ser 'folheada' online (desactivada). A edição está agora esgotada.
Estão previstas outras duas conferências, segundo pude ler no sítio web daCasa Fernando Pessoae no blogue Mundo Pessoa.
«É um livro de um outro futuro, 'Mensagem' teria que esperar uma leitura mais adequada ao seu mistério e à sua intrínseca estranheza, tanto no fundo como na forma, num outro tempo mais propício e aberto, igualmente mais complexo e estranho»